O comércio eletrônico e a proteção do consumidor na rede: práticas para o e-commerce

O ano de 2020, marcado pela pandemia da Covid-19, mostrou que o desenvolvimento da tecnologia é condição básica para se manter competitivo. O setor de vendas on-line registrou um salto recorde. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), em parceria com a Neotrust, o crescimento nas vendas foi de 68% na comparação com 2019. A associação estima que 20,2 milhões de consumidores realizaram pela primeira vez uma compra pela internet em 2020 e que 150 mil lojas passaram a vender também por meio das plataformas digitais.

Na contramão das boas expectativas para o e-commerce está a insatisfação dos consumidores com os serviços recebidos. As reclamações nos Procons relacionadas à venda online aumentaram significativamente nesse período de quarentena: o Procon SC, por exemplo, registrou um aumento de 300% nos atendimentos relacionados a compras pela internet nos primeiros meses de 2020. No site Reclame Aqui, as lojas on-line passaram a ser as mais reclamadas.

Mas afinal, o que deve ser observado pelas empresas on-line para que assegurem a proteção do consumidor na rede e evitarem reclamações e litígios?

Direito à informação

É importante, antes de tudo, que as plataformas de e-commerce observem com atenção o direito do consumidor de receber informações adequadas e claras sobre os produtos e/ou serviços comercializados, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam. Inúmeros são os problemas que podem ser evitados pela simples informação adequada ao consumidor.

Lei do e-commerce (Decreto nº 7.962 de 2013)

Para tratar especificamente sobre o comércio eletrônico no Brasil foi editado um Decreto em 2013, o Decreto nº 7.962 de 2013, que estabelece as informações mínimas que os fornecedores devem prestar aos seus consumidores nas contratações por meio eletrônico.

Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:

  • nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no CPF ou no CNPJ;
  • endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;
  • características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;
  • discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;
  • condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
  • informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.

Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou modalidades análogas de contratação deverão conter, além das informações anteriores, as seguintes: quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado, nos termos dos incisos I e II do art. 2º.

O referido Decreto apresenta um rol bastante extenso de informações e o seu o inteiro teor pode ser consultado no site do Planalto. As regras nele contidas são regras mínimas que devem ser observadas, de forma que informações complementares que sejam relevantes para aquele produto ou serviço, ainda que não estejam indicadas expressamente no Decreto de 2013, precisam ser apresentadas aos consumidores.

Oferta vinculante

Ainda sobre o direito à informação, temos uma importante previsão no CDC, art. 30. Toda informação ou publicidade veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e passa a integrar esse contrato de consumo.

As ofertas realizadas no comércio eletrônico são fáceis de serem comprovadas: basta um printscreen (foto de tela). Uma problemática muito grande nas relações de consumo por meio eletrônico acontece quando há um erro de lançamento dessa oferta. Regra geral, a oferta é vinculante, ou seja, é obrigatório que o fornecedor cumpra com aquela oferta.

O que acontece é que em algumas situações é possível afastar a responsabilidade do fornecedor pelo cumprimento dessa oferta, por exemplo, quando se consegue demonstrar no caso concreto que a oferta era manifestamente equivocada. Se eu tenho um aparelho que foi lançado por um valor muito abaixo do que seria razoavelmente esperado no mercado, eu consigo afastar essa obrigatoriedade segundo entendimento dos tribunais.

Mas, reforça-se, o fornecedor somente não estará obrigado quando for manifestamente errado. Se houver dúvida, se a oferta puder ser confundida com um bom desconto, aí o fornecedor precisará cumprir a oferta.

A forma de contratar

Uma outra preocupação que se deve ter diz respeito à forma como as contratações são realizadas. A autonomia do consumidor deve ser assegurada e incentivada.

Para ilustrar: há algum tempo companhias áreas foram multadas pela oferta irregular de seguro. Quando um consumidor adquiria uma passagem aérea automaticamente vinha marcada a opção de adquirir o seguro para o transporte aéreo, de forma que o consumidor precisaria desmarcar a contratação para que não pagasse esse preço adicional do seguro. Foi reconhecida a abusividade dessa conduta, uma vez que o impulso do consumidor é o de não desmarcar opções que por padrão venham assinaladas.

Publicidade invisível

Outra preocupação que as empresas precisam ter em relação ao comércio eletrônico é a publicidade invisível. Quando nós estamos nas redes sociais, muitas vezes somos atingidos por campanhas publicitárias sem que elas sejam identificadas e isso viola a principiologia do Código de Defesa do Consumidor.

Toda publicidade deve ser apresentada, veiculada de tal forma que o consumidor imediatamente a identifique como uma campanha publicitária. Quando nós sabemos que se trata de uma publicidade, nós criamos reservas mentais em relação àquele conteúdo, nós acreditamos, mas nem tanto. Se não sabemos que a informação é publicitária, não criamos essas reservas mentais e essa publicidade se entende como prática abusiva nas relações de consumo e viola a previsão do art. 36 do Código de Defesa do Consumidor. 

Essa ilicitude da publicidade invisível já é uma preocupação dos órgãos de defesa e proteção dos consumidores, assim como de muitas empresas. No Brasil mesmo, por exemplo, já observamos influenciadores digitais, quando apresentam produtos ou serviços, identificando postagens patrocinadas (publipost, ou recebidos).

Diferenciação de preços

O Decreto nº 5.093 de 2006 prevê que é proibido que o fornecedor atribua preços diferenciados para o mesmo item, o que também vale para o comércio eletrônico.

Existem duas situações nas quais é possível uma diferenciação: dependendo do meio de pagamento e dependendo da forma de pagamento. Desde a edição da Medida Provisória nº 764, em 2016, que foi convertida em lei, a diferenciação de preços é lícita se o consumidor vai pagar, por exemplo, com o cartão de crédito. Também é possível a diferenciação pela forma de pagamento, então se o pagamento é parcelado, o fornecedor pode realizar uma cobrança em razão dessa forma parcelada de pagamento. 

Serviços disfarçadamente gratuitos

Precisamos tomar cuidados com os serviços que, ao menos em tese, são gratuitos, enquanto são pagos por meio da cessão de dados pessoais. Vários aplicativos fazem isso, em especial as redes sociais. 

É comum que empresas ignorem diversos direitos dos consumidores pela simples justificativa de que um serviço é disponibilizado gratuitamente, mas isso não se sustenta.

E não que esse tipo de serviço seja proibido, mas ele deve ser identificado ao consumidor. E não só aqui – mas principalmente aqui – entra a importância de ser elaborado termos e condições de uso e políticas de privacidade pelas empresas, para que os consumidores tomem ciência das práticas de determinado produto ou serviço de internet, em especial quanto aos dados pessoais.

Direito de arrependimento

Com certeza um dos direitos mais conhecidos pelos consumidores nas relações de comércio eletrônico é o direito de arrependimento.

De acordo com o CDC, toda contratação realizada fora do estabelecimento comercial, por meio eletrônico, por telefone, por carta ou a domicílio, por exemplo, autoriza que o consumidor exerça o direito de arrependimento no prazo de sete dias, a contar do recebimento desse produto ou desse serviço. O consumidor pode desistir da contratação sem motivação, pelo fato de não ter gostado daquele produto ou serviço, sem precisar justificar isso para o fornecedor.

Estes são apenas alguns dos vários outros direitos dos consumidores, previstos tanto no Código de Defesa do Consumidor quanto nos decretos que regulamentam o microssistema de defesa do consumidor e se aplicam também às contratações pela internet.

A observância desses direitos, além de evitar problemas legais (segundo o Conselho Nacional de Justiça, os assuntos mais demandados nos tribunais de Justiça estaduais estão ligados aos direitos dos consumidores, representando 2,3 milhões de processos), evita o chamado dano reputacional à empresa (segundo pesquisa da HSM, estima-se que cada consumidor insatisfeito propague sua reclamação para outros 232, em média).

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