STF: a tributação sobre software e a modulação de efeitos

Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou importante julgamento tributário, iniciado em novembro de 2020, que alterou a jurisprudência de duas décadas e decidiu que incide o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre softwares. O entendimento vale tanto para o produto “de prateleira”, comercializado no varejo, quanto para o produto feito sob encomenda (software tailor made).

Até então, a interpretação que prevalecia era a de que sobre o software de prateleira deveria incidir o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Por outro lado, sobre o software feito sob encomenda, o ISS.

Dos onze ministros do STF, sete votaram pela incidência do ISS para ambos os produtos. O tema foi julgado por meio de duas ações diretas de inconstitucionalidade: ADI 1945 e ADI 5659. Uma delas, a ADI 1945, proposta em 1999, quando a transferência eletrônica do software ainda era feita por disquete.

Na ADI 1945, a discussão foi sobre a constitucionalidade da Lei 7.098/1988 do Estado de Mato Grosso, enquanto na ADI 5659 o debate foi acerca da incidência do ICMS sobre o software com base no Decreto 46.877/2015, na Lei 6.763/1975 de Minas Gerais e no artigo 2º da Lei Complementar 87/1996. No entanto, o julgamento possui impacto em todos os casos que envolvem a mesma discussão.

Modulação de efeitos

Em sessão especificamente instaurada para o debate quanto aos efeitos da decisão da Corte, foi acolhida, por maioria, a proposta detalhada de modulação de efeitos, proposta pelo ministro Dias Toffoli, relator da ADI 5659. A forma de modulação de efeitos proposta se mostrou inovadora em matéria tributária, uma vez que considera uma divisão pormenorizada do tema, propondo oito diferentes hipóteses de aplicação dos efeitos da decisão.

A proposta de modulação de efeitos trouxe, nas primeiras quatro hipóteses, uma divisão que observou o lado de quem pagou ISS, de quem pagou ICMS, de quem não pagou nenhum e de quem pagou ambos os impostos.

Ainda, nas outras quatro situações previstas, os ministros buscaram explicitar os efeitos da decisão em relação aos processos judiciais em curso. Estabeleceu-se os efeitos da decisão para o contribuinte que ajuizou ação em face do Estado para não pagar o ICMS, assim como para o contribuinte que contestou a exigência do ISS perante o Município. Foram previstos também os efeitos para aqueles outros casos em que os estados e municípios ajuizaram ações cobrando os impostos. O mais importante é que ficou claro e endossado pelos ministros que as ações em curso devem ser prestigiadas.

Diante da multiplicidade de possíveis situações fáticas envolvendo a tributação por cada um dos tributos, estabeleceu-se a seguinte relação, no qual se definiu, para cada situação fática, uma solução distinta:

Contribuintes que recolheram somente o ICMS

Não terão direito à restituição do tributo, assim como os municípios não poderão cobrar o ISS. Buscou-se evitar o ajuizamento de novas ações de repetição de indébito de ICMS, bem como o ajuizamento de ações de cobrança de ISS.

Contribuintes que recolheram somente o ISS

Confirmação da validade do pagamento do ISS e impossibilidade de cobrança do ICMS pelo Estado.

Contribuintes que não recolheram nem o ICMS nem o ISS

Estabelecida a possibilidade de cobrança apenas do ISS, respeitado o período prescricional.

Contribuintes que recolheram o ICMS e o ISS (bitributação), mas não ingressaram com ação de repetição de indébito

Possibilidade de repetição de indébito do ICMS, mesmo nos casos em que não há ação judicial em curso.

Ações judiciais pendentes de julgamento movidas por contribuintes contra os estados, inclusive por repetição de indébito

Declaração de inexistência de relação jurídica em relação ao ICMS, com possibilidade de levantamento de depósitos realizados e de repetição, caso o contribuinte já tenha recolhido o ICMS.

Ações judiciais, inclusive execuções fiscais, propostas por estados visando à cobrança do ICMS

Extinção das ações com possibilidade de levantamento de depósitos ou liberação de penhoras.

Ações judiciais pendentes de julgamento movidas por contribuintes contra os municípios, discutindo a incidência do ISS

Pacificando a incidência do ISS, deve-se dar ganho de casa para o Município, inclusive com conversão em renda dos depósitos judiciais.

Ações judiciais, inclusive execuções fiscais, pendentes de julgamento, propostas por municípios para a cobrança do ISS

Pacificando a incidência do ISS, deve-se dar ganho de casa para o Município, salvo se o contribuinte já recolheu o ICMS.

Observa-se que a modulação de efeitos proposta conseguiu estabelecer claros e diversos critérios de distinção, de forma a evitar tratamentos anti-isinômicos e novas judicializações sobre a questão, ao mesmo tempo em que respeitou os processos judiciais em curso, prestigiando quem recorreu ao Poder Judiciário.

A ata de julgamento da sessão ocorrida em 18/02/2021, na qual foi concluído o julgamento de mérito, funcionará como marco temporal da modulação de efeitos. Por fim, vale mencionar que a decisão ainda é passível de oposição de Embargos de Declaração.

Ficamos à disposição para esclarecimentos quanto aos efeitos da decisão do STF.

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