A tributação dos serviços over the top

Os serviços over the top (OTT) englobam as transmissões de áudio e vídeo via streaming. Trata-se da disponibilização provisória de conteúdo de som e de imagem por meio da internet, onde ocorre a contratação diretamente entre o usuário e aquele que disponibiliza o referido conteúdo.

Em poucas palavras, são transmissões de vídeo e áudio feitas por meio da internet, sem a necessidade de uma assinatura de televisão a cabo. 

Os serviços over the top são o presente e o futuro do entretenimento. Isso porque, o serviço já começou a escalonar o mercado, que tem como principal player a Netflix. 

Os provedores de conteúdo utilizarão cada vez mais esse meio, onde cada um oferecerá seus canais ou eventos individualmente por meio de banda larga sem passar pelos agregadores que dominaram a distribuição nas últimas décadas: as redes de televisão e provedores de serviços de cabo.

Ao invés de contratarmos um pacote com centena de canais, compraremos somente aquele conteúdo o qual temos interesse em consumir. E isso já é uma realidade. 

Hoje, se você possui interesse em assistir Game of Thrones, você pode assinar os serviços do HBO Go. Se você é fã de This Is Us, basta assinar os serviços do Amazon Prime e por aí vai. Há diversos exemplos de serviços over the top como o Youtube TV, Facebook TV e Disney Plus, e a tendência é apenas aumentar o desenvolvimento e as ofertas de serviços OTT.

Ocorre que, o fornecimento de conteúdo de áudio e vídeo por meio de streaming, por se tratar de uma atividade econômica de grande rentabilidade, alertou o Fisco e gera debates sobre a sua tributação. 

A controvérsia gira em torno da competência para tributar essa atividade, mais especificamente sobre a possibilidade de os estados exigirem ICMS dos contribuintes sobre as receitas auferidas com essas atividades, ou se os municípios têm competência para exigir o recolhimento de ISS.

Quem largou na frente nessa corrida foram os municípios que, por meio da LC nº 157/16, introduziram alterações na LC nº 116/03 e acresceram os serviços de streaming como passíveis de incidência do ISS, ao acrescentar o subitem 1.09 à Lista de Serviços tributáveis, o qual restou assim redigido:

“1.09 – Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de serviço de acesso condicionado, que trata a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).”

Após, foi a vez dos estados, que por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) –  Convênio nº 106, de 29 de setembro de 2017 -, previu a cobrança de ICMS sobre a comercialização de transferência de dados por meio da internet, de softwares, jogos, aplicativos e arquivos eletrônicos, desde que sejam padronizados, e estabeleceu como contribuinte o detentor do site ou da plataforma eletrônica, o qual deverá ter inscrições estaduais em todos os Estados da Federação em que operar.

Em face de tal autorização convencional, os estados estão editando, no âmbito das suas respectivas competências, normas regulamentares para atribuir efetividade à referida cobrança. 

Ou seja, hoje, tanto os estados, quanto os municípios, buscam exigir dos contribuintes tributos sobre as receitas auferidas com atividades de streaming. Contudo, é nítido que os referidos entes federativos estão alargando a materialidade dos seus impostos para aumentar as suas receitas.

Os serviços over the top não devem ser tributados por ISS ou ICMS.

Isso porque, a disponibilização de conteúdo de áudio e vídeo sem cessão definitiva não caracteriza obrigação de fazer, pois independe de atividade física ou intelectual, razão pela qual não deve haver a incidência de ISS.

A melhor doutrina sobre o assunto tem entendimento de que nenhuma das hipóteses de cessão de direito contempladas na lista de serviços anexa à LC 116 poderia ser alvo da incidência de ISS, porque não são obrigações de fazer, ou seja, não encontram albergue no conceito constitucional de serviços.

O entendimento de que o ISS só pode incidir sobre obrigações de fazer já se encontra sedimentado pelo STF. 

Não se desconhece o julgamento do RE nº 651.703 RG/PR, onde o E. Ministro Luiz Fux, acompanhado pela maioria dos presentes, sugeriu a admissão da ocorrência de mutação constitucional em relação ao conceito de serviços para fins de incidência de ISS, a fim de que se admita a cobrança do referido imposto em relação às obrigações de dar e não apenas de fazer. Contudo, este entendimento não deverá prevalecer, sob pena de deixar nosso arcabouço legal ainda mais confuso quanto à matéria.

Os serviços não são, igualmente, obrigações de dar, porque não há transferência de titularidade dos conteúdos de multimídia aos contratantes, motivo pelo qual também não deve incidir o ICMS.

O fato jurídico-tributário do ICMS apenas se considera praticado com a transferência da titularidade do bem móvel objeto de mercancia, o que, definitivamente, não ocorre em relação aos serviços de streaming, porque a cessão dos conteúdos de áudio e vídeo é temporária, não há transferência de titularidade.

E, finalmente, não há serviço de comunicação, porque não há relação comunicativa entre o cedente e o cessionário, ou seja, entre a empresa que disponibiliza o conteúdo e o seu contratante, razão pela qual não deve haver a incidência de ICMS-Comunicação. Para que haja cobrança de ICMS-Comunicação, o serviço de telecomunicação deve ter como objeto a transferência onerosa de informações entre dois polos, o que não ocorre nos serviços over the top.

Não há dúvidas que o fornecimento de conteúdo de áudio e vídeo por meio de streaming é uma atividade de grande rentabilidade e deve ser tributada. No entanto, neste momento, não há qualquer previsão constitucional que permite a tributação com tal materialidade. 

Ao nosso ver, a única solução possível para a cobrança desses valores não estaria nas mãos dos municípios ou dos estados, mas da União Federal, que poderia fazer uso da sua competência residual, prevista no art. 154 da Constituição Federal, para criar um imposto com tal critério material. 

Outra hipótese para solucionar esta questão seria promover uma alteração formal do texto constitucional, de forma que albergue esta e outras mudanças decorrentes das inovações tecnológicas. 

O tema é recente e polêmico, e tudo leva a crer que haverá longas discussões políticas, doutrinárias e jurisprudenciais para se decidir quem terá competência para arrecadar valores sobre as receitas auferidas com streaming.

Por certo, de suma importância que seja resolvida a tributação dos serviços on the top o quanto antes pelas autoridades, para que assim estes valores não deixem de ser tributados, enchendo os cofres da Fazenda para que esta promova os investimentos necessários para melhorar a vida dos contribuintes.

De toda forma, tão importante quanto, é a tributação de forma correta, de acordo com a Constituição Federal, para que não piore a situação da já desequilibrada segurança jurídica existente no nosso país.

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